— Ninguém nunca viu papel timbrado no ateliê de Volpi — diz o diretor, que começou a frequentar o ateliê do artista “assiduamente”, como afirma, nos anos 1960. — Volpi não escrevia cartas, nem recibos. Teve uma instrução muito elementar com uma professora numa escolinha do Cambuci (bairro no centro de São Paulo). Para fins de escrita, ele poderia ser considerado um analfabeto funcional.
Há cerca de cinco anos, conta Mastrobuono, passaram a ser frequentes os trabalhos em papel timbrado com o endereço do histórico ateliê de Volpi, na Rua Gama Cerqueira, no mesmo Cambuci. Ocorre que, se um dia chegou a realizar estudos usando papel timbrado, eles datariam dos anos 1950. Nos anos 1970, data que aparece na obra que a Phillips pretendia vender, o artista já estudava as pinceladas em telas convencionais.
— Trabalhos em papel timbrado já são raríssimos. Soma-se a esse fato outra dúvida: como explicar estudos nesse tipo de papel numa época em que ele já usava tela? Não catalogamos nenhum trabalho desse tipo e, aos poucos, eles foram sumindo. Foi uma surpresa ver um desses agora num catálogo de leilão internacional — diz Mastrobuono.
O laudo enviado por ele ao diretor da Phillips, Henry Allsopp, enfim, diz que “a obra não reúne condições para ser catalogada, e o instituto não encontrou elementos para garantir que o trabalho foi feito pelo artista”.
No texto que indica a procedência da obra, publicado no catálogo do leilão da Phillips, a procedência da pintura indica que ela teria sido doada pelo artista e herdada pelo proprietário — Marcos de Paula Silveira, que até o fechamento desta edição, não respondeu ao pedido de entrevista da reportagem.
Banco de dados contra falsificações
O diretor da casa de leilões nova-iorquina afirma que a obra foi imediatamente retirada para análises.
— Com o crescimento do mercado de arte brasileira moderna e contemporânea também no cenário internacional, a questão da autenticidade vai continuar a aparecer, especialmente para mestres como Volpi — diz Allsopp. — É pouco provável que alguém falsifique um trabalho que é relativamente barato e executado em papel timbrado, mas não questionamos a autoridade do instituto. Como regra, vamos consultá-los sempre que recebermos obras atribuídas a Volpi que não estejam incluídas nos catálogos do artista.
Criado há menos de dois anos (por um despacho da juíza Vivian Wipfli, que autorizou Pedro Mastrobuono, filho de Marco Antonio, a fundar o órgão a ser presidido pelo pai), o Instituto Volpi tem catalogadas cerca de 2.700 obras do artista. O espólio dele continua em aberto, em disputa judicial, o que, defende o diretor, prejudica a organização do catálogo. Há, ele completa, cerca de 300 obras “duvidosas” de Volpi num banco de dados para tentar barrar o mercado de falsificações.
— Como o mercado internacional de arte brasileira é relativamente recente, as grandes casas de leilão conhecem pouco quem é colecionador consistente e quem é apenas portador de um único trabalho — diz Mastrobuono.
No Brasil, por outro lado, o artista está entre os preferidos de falsários, segundo negociantes de arte, e figura ao lado de outros mestres frequentemente atingidos, como Di Cavalcanti.
No site Mercado Livre, por exemplo, um Volpi também feito sobre papel timbrado era anunciado como original até o início da tarde de ontem.
“R$ 3.190,00 por uma obra original de Volpi? Isso mesmo!!!”, dizia o anúncio, que seguia com detalhes: “Firma reconhecida do artista no verso da obra; assinatura no canto inferior direito; declaração de autenticidade de renomado escritório de arte do Rio de Janeiro.” A peça seria proveniente de Presidente Venceslau, interior paulista, de um vendedor que fez, até então, oito negociações no Mercado Livre (63% delas canceladas, como informa o perfil do negociante).
— O trabalho em questão tem características semelhantes ao que apareceu na Phillips. Também é duvidoso, e não há notícias de que tenha sido feito por Volpi — lamenta Mastrobuono.
Caso semelhante na Christie’s
Na semana passada, o GLOBO revelou que a maior casa da leilões de arte do mundo, a americana Christie’s, retirou dez obras de brasileiros de seu leilão de arte latino-americana, pois as peças (de Ivan Serpa, Burle Marx, Amílcar de Castro, entre outros) seriam falsas. A casa fora alertada por colecionadores e marchands brasileiros cientes de que nem as obras nem suas procedências são conhecidas.
A casa, que ainda fará o leilão no dia 29 (sem as dez obras em questão, mas com outros 40 trabalhos certificados de artistas brasileiros) recebeu as peças do colecionador Ralph Santos Oliveira, cientista que vive em Niterói. Ele, por sua vez, afirma que recebeu as obras da avó, que as comprou nos anos 1970. Sofrendo de Alzheimer, ela já não pode informar como adquiriu os trabalhos, que agora estão em Nova York, na sede da casa de leilões.
— Eles me procuraram apenas para dizer que estavam retirando as obras, e concordei. Depois, não me procuraram mais. Não vivo de arte, nunca vendi um quadro na vida, foi a primeira e última vez. Posso dizer apenas que me comprometo publicamente a destruir as obras quando voltarem ao Brasil — afirma Oliveira.
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