O juízo sobre a arte.

27/11/2013 – Carta Capital
por ORLANDO MARGARIDO

POLÍTICA CULTURAL
Novo estatuto e a criação de entidade de museus tocam no sistema nervoso desse mercado no País

Em 1989, A PINTURA Jardim em Auvers, de Vincent van Gogh, foi declarada tesouro nacional pelo Ministério da Cultura francês. Seu proprietário à época, o milionário Jacques Walter, queria pendurar o quadro na casa de Genebra e com isso obter melhor preço em uma venda longe das leis francesas. Mas a nova designação não só o impediu de transferir ao exterior a obra do artista holandês como anunciou evidente prejuízo. Ao se ver leiloado três anos depois em Paris, o óleo de 1890 foi amealhado pelo banqueiro Pierre Vernes por menos de um sexto do valor estimado no mercado internacional.

Walter buscou a diferença na Corte francesa e recebeu do Estado 72,7 milhões de dólares.

A legislação adotada em 1913 pela França para restringir exportações é passagem ilustrativa agora requerida à realidade brasileira. Cenário esse que não via agitação igual desde a Lei dos Direitos Autorais de 1998 e, no caso do mercado, da venda do Abaporu, de Tarsila do Amaral, ao argentino Eduardo Costantini, três anos antes. Episódio, para muitos, estopim do debate sobre regulamentação do setor no País. Um passo controverso nesse sentido veio em 17 de outubro, quando a Presidência da República sancionou o Decreto n° 8.124 de regulamentação de duas leis de 2009, uma que estabelece o Estatuto de Museus e outra referente à criação do Instituto Brasileiro de Museus, o Ibram, autarquia do Ministério da Cultura competente a implementá-lo.

O universo das artes plásticas inquietou-se com o artigo 35, que torna passíveis de um processo de declaração de interesse público obras de coleções particulares.

Com isso, toda peça artística pode ser vigiada pelo Ibram, da sua conservação ao empréstimo a exposições e possível venda. No limite, acredita-se que o órgão poderá vetar, como fez a França. Galeristas, leiloeiros e colecionadores opuseram-se ao que consideram interferência na circulação de obras no cenário nacional e estrangeiro e na sua negociação.

“Quem vai querer  comprar uma obra milionária sabendo que podem considerá-la de interesse público?”, pergunta o leiloeiro carioca Jones Bergamin, preocupado também quanto a empréstimos, num momento em que se aproxima, por exemplo, a retrospectiva de Lygia Clark no MoM A, em Nova York.

Como Bergamin, seus colegas Max Perlingeiro e James Lisboa contestam um instrumento mal construído. “De cara se nota que o decreto não define com precisão nem o que é obra de arte”, aponta Perlingeiro. Lisboa denota a mesma estranheza.

“Como está, o decreto sugere obra de arte ser uma pintura de Portinari a uma cuíca de escola de samba.” Em jogo estão os interesses de um mercado milionário.

Chegou-se ao pânico de pensar numa expropriação das coleções particulares como Hugo Chavez fez na Venezuela, provocando uma fuga das obras de arte para os Estados Unidos. “Um absurdo pensar nessas hipóteses. O objetivo é conhecer e salvaguardar obras em acervos públicos e privados”, garante o presidente do Ibram, o advogado Angelo Oswaldo. “Ninguém irá à casa de um colecionador vistoriar sua coleção, e sim o contrário. Se o colecionador quiser e permitir que seja instaurado o processo de interesse público.”

Difícil imaginar tal procedimento voluntário. O dispositivo existiria apenas para investir o governo do direito de buscar as obras. Os artigos específicos dão margem a interpretações ao instituir, por exemplo, que “o processo administrativo de declaração de interesse público será instaurado perante a Presidência do Ibram, mediante recomendação técnica do Ministério da Cultura ou do Ibram, ou por requerimento por qualquer interessado ou do proprietário do bem”. “Não sabemos detalhes e se há pessoal qualificado para tal avaliação”, contesta um galerista que prefere o anonimato. “Se hoje temos um gestor competente, amanhã pode vir um burocrata.”

O juízo sobre a arte
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